EXPOSIÇÃO: FONTES E QUEDAS D’ÁGUA CENTRO CULTURAL MARIA ANTÔNIA ABRIL 1998 – SÃO PAULO por Marcos Moraes

Contraste aparente, formas em queda livre e a alçar voo, as pinturas de Elizabeth Dorazio apresentam, a partir de seu tema – a água – uma reflexão sobre a vitalidade, sobre a força geradora e se colocam, mais uma vez, dentro do universo pictórico da artista, como uma discussão sobre a fragilidade do olhar que apenas resvala a realidade.

Aproximação desta realidade? As superfícies das telas apresentam um pequeno jogo visual que se descortina a nossa percepção: volumes aquosos rompem se da tela e mergulham sobre nós para, logo a seguir, brotarem novamente, desta vez projetando-se sobre nós, este jogo se repete e perpetua a relação de queda/recebimento e elevação/oferenda, nos envolvendo em suaves brumas provocadas pelas pinturas. Suspensão e evaporação, dois estados que aprisionam o olhar… enlevando o observador envolvido nesta névoa que se projeta das superfícies.

A busca permanente é a de uma relação que disputa a partir das transparências, o embaçamento, não apenas como construção da imagem, desnudando a cor ou como pura técnica, mas verdadeiramente como artifício que prepara o olhar para a revelação de uma verdade: a das formas da natureza, sua beleza e sua pureza.

O embaçamento nos obriga, então, a refletir sobre os limites de nosso olhar: onde começa e onde termina o puro campo da visão? Quão real é a pintura? A sua existência se restringe ao acúmulo de tinta que ao mesmo tempo constrói a imagem e a destrói, mergulhando-a inexoravelmente no mundo das sensações e não mais da compreensão?

Mergulhamos nestas inquietações que nos preparam para reflexões: as camadas de tinta são reveladoras do tempo e isto nos obriga a tê-lo permanentemente como uma memória do tempo, assumindo-o, serenamente, como parte deste tempo.

Emana da pintura esta vocação pela espiritualidade, que remonta a constante tentativa de nos reconciliar com o mundo.

A paixão e a dedicação são inerentes ao trabalho da artista. Nesta permanente consagração ao trabalho, a artista é infatigável, quase obsessiva, e o fazer se mescla ao refletir sobre estas questões. Uma dedicação monástica, em sua realização, reforça a procura pela sacralidade e a permanente sensação de busca e resgate de uma espiritualidade que os espaços da civilização tendem a tornar rarefeitos e que só é possível ser retomada nesta perseguição pela recuperação da harmonia com a natureza.

As pinturas de Elizabeth Dorazio ao mesmo tempo em que resistem a se deixarem penetrar por nosso olhar, a se revelarem simplesmente como mera recuperação de uma realidade objetiva e quase pueril que nossos olhos insistem em não mais poder entrever, se oferecem em dádivas ao nosso olhar, como oferendas sagradas, neste espaço sagrado, que é a vida.

Marcos Moraes
Critico de arte/Historiador
São Paulo, Abril/1998

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