O PERCURSO DE ELIZABETH DORAZIO COMO ARTISTA: RECORTES E ETAPAS DE UM CAMINHO por Marie Christiane Seiferth

As obras e composições que integram a mostra atual são a expressão artística de um caminho longo e intenso, meticuloso e interessado, percorrido em diversas vias rumo a uma aproximação dos complexos temáticos “vida“, “organismo“ e “cosmo“. Já pouco depois da conclusão do curso superior na renomada “Fundação Escola Guignard”, em Belo Horizonte, e após uma temporada de estudos no “Istituto per L ́arte e il Restauro“, em Florença, Elizabeth Dorazio expõe, na série “Homo olympicus“, pinturas em acrílico sobre tela que têm por objeto o torso humano de atletas, principalmente nadadores em trajes de natação, e que podem ser reagrupadas, como díptico, arbitrária e infinitamente. Durante esta fase, o princípio da desconstrução e reconstrução com vista a um reordenamento já é, como meio de expressão, parte integrante dos trabalhos. Trata-se de uma fase precedida por um profundo estudo da anatomia e do sistema muscular do corpo humano. Durante este período, Elizabeth Dorazio também começa a pintar sobre materiais sintéticos. Com rápidas e grossas pinceladas o tronco de nadadores é plasmado sobre cortinas de chuveiro, estabelecendo uma ligação direta entre o motivo e o local do retrato.

Com a instalação espacial “Mantra“, no Morumbi, um bairro de São Paulo, Elizabeth Dorazio volta-se, já em 1998, para o motivo todo-abrangente do cosmo e dos nexos internos existentes entre todos os seres do universo. O quadro pintado com tinta a óleo, que mede 3,20 X 5,40 m, foi instalado no lugar do altar de uma antiga capela remanescente da época da fundação da cidade. A energia atribuída ao local e a energia representativa e expressiva que emana da obra torna como que palpável a força das massas de água que caem e das espumas revoltas. Apesar da obra retratar uma situação instantânea, a impressão predominante é a de uma queda d’água permanente, acompanhada pelo respectivo pano de fundo acústico. Assim, a pintura a óleo cria, devido à sua potência expressiva, um fundo de sons interno e devolve, deste modo, ao mantra, tom sempre idêntico que perdura e preenche o espaço e o local da exposição, a sua destinação original. Desta maneira, o ser humano é integrado no eterno fluir do tempo e do espaço, é amparado pelo infinito e consegue conceber-se como parte integrante de um todo cósmico.

Os trabalhos realizados durante os anos 2005 a 2008 debruçam-se sobre os temas “vida“, “transitoriedade“ e “organismo“. Nas obras da série “Per mortem ad vitam“ Elizabeth Dorazio utiliza quadros a óleo da série anterior, “Mundi Maritimi“, cortando-os em fragmentos e combinando-os, por meio da técnica da colagem, com outras estruturas anatômico-orgânicas recortadas que podem lembrar, por exemplo, o sistema das veias. Monta, assim, um novo quadro numa tela que funciona como um fundo difuso e aguado, pintado com tinta acrílica.

Nas suas composições a partir de 2006, Elizabeth Dorazio elege progressivamente a temática geognóstica utilizando, sobretudo, materiais transparentes que conduzem o olhar para o que normalmente é invisível para o ser humano. Dessas composições também faz parte o trabalho “Geognosis ontologica“, concebido em forma de infinito e composto por várias camadas sobrepostas de películas transparentes fixadas sobre um fundo de papel japonês, pintado com cores difusas de aquarela que deixam nele sinais em forma de mancha. (no mesmo). Cada uma das camadas de papel transparente ostenta finas linhas que retratam, como motivo, estruturas anatômico-orgânicas. Cada camada do papel transparente apresenta igualmente aberturas recortadas que permitem uma visão limitada das camadas subjacentes, de maneira que, apesar da sobreposição de camadas, tornam-se visíveis os papéis sobrepostos com seus desenhos de estruturas anatômicas, inclusive devido ao caráter translúcido do material.

Desde o começo do seu percurso como artista, Elizabeth Dorazio segue este fluxo de ideias em torno dos complexos temáticos descritos, atribuindo-lhes, com a criatividade e a linguagem artística que lhe são próprias e graças à sua busca permanente de novos materiais e texturas, níveis de expressão sempre diferentes.

Marie Christiane Seiferth
Pesquisadora/Filosofia-Teologia

para o topo ^